Crítica: Machuca

machuca

As décadas de 1960 e 1970 foram extrema­mente ten­sas na Améri­ca Lati­na. A que­da de gov­er­nos mais pop­ulis­tas, enga­ja­dos explici­ta­mente ou não ao social­is­mo, pelos exérci­tos foi inevitáv­el em muitos país­es. Machu­ca (Machu­ca, Chile/Espanha/Reino Unido/França, 2004), de Andrés Woods, traz um Chile em ple­na efer­vescên­cia da tran­sição do gov­er­no social­ista de Sal­vador Allende, para a ditadu­ra mil­i­tar de Augus­to Pinochet.

Gon­za­lo é um meni­no rui­vo e com traços europeus, de uma família de classe média chile­na, que estu­da numa esco­la cristã e de ensi­no amer­i­cano. O atu­al pres­i­dente, Sal­vador Allende, acred­i­ta que pode instau­rar o social­is­mo no país e assim muitos setores da sociedade ten­tam se adap­tar a esse novo mod­e­lo. A esco­la de Gon­za­lo é um dess­es lugares. O dire­tor des­ta esco­la, na ten­ta­ti­va de incluir social­mente cri­anças de comu­nidades car­entes, traz à ela alguns meni­nos de uma comu­nidade próx­i­ma. Pedro Machu­ca é um dess­es garo­tos, um típi­co chileno descen­dente de nativos e é morador de uma comu­nidade ile­gal num can­to de San­ti­a­go. Estes dois meni­nos terão que desco­brir jun­tos, se é real­mente pos­sív­el uma con­vivên­cia entre dois mun­dos tão dis­tantes e se as amizades podem real­mente supor­tar tudo.

São os per­son­agens, em Machu­ca, que metaforizam o momen­to caóti­co vivi­do no Chile. A eter­na luta de class­es que pre­via Marx, real­mente fun­ciona num mun­do onde sem­pre alguém se sente ameaça­do pela maio­r­ia, seja ela pobre ou rica. Gon­za­lo e Machu­ca rep­re­sen­tam a briga acir­ra­da entre o con­for­to bur­guês e o pro­le­tari­a­do que, naque­le momen­to, está a margem dis­so, vê-se a fal­ta de ele­men­tos mais bási­cos para se ter uma vida chama­da digna, tais como uma casa para se morar e ali­men­tos todos os dias para se com­er. Gon­za­lo se diverte com a vida de Machu­ca, venden­do ban­deiro­las nas famosas passeatas, que nesse momen­to acon­te­cem o tem­po todo no país. Já Pedro Machu­ca aprovei­ta a bici­cle­ta nov­in­ha, os tênis Adi­das e os quadrin­hos do Zor­ro que Gon­za­lo gan­ha, vin­dos de Buenos Aires.

Andrés Woods tra­bal­hou com sim­bolo­gias e detal­h­es sim­plórios para retratar este cur­to perío­do de tran­sição. Uma das ima­gens que mais mar­cam durante Machu­ca, é a de um muro ini­cial­mente pin­ta­do com ¨Não a guer­ra civ­il¨, que com o pas­sar do tem­po as palavras vão se apa­gan­do até serem mais nada atrás da tin­ta bran­ca . Assim final­mente sabe­mos que o povo perdeu sua voz com os mil­itares no comando.

Machu­ca vai além de um cin­e­ma lati­no amer­i­cano, ain­da doí­do com as mar­cas que as ditaduras deixaram. É sim­ples, com uma bela tril­ha sono­ra e um enre­do que chega suave e diver­tido, até chegar ao pon­to mais extremo, sem­pre com sen­si­bil­i­dade. É um filme políti­co sem a neces­si­dade de ser poli­tiqueiro, pois temos a chance de ver os dois lados, neste caso dos social­is­tas e da classe alta chile­na, e con­se­qüen­te­mente, os dois extremos de cada um.

Me sur­preen­di pos­i­ti­va­mente com o cin­e­ma de Andrés Woods. Assim como já fez a fil­ha de Cos­ta Gavras, Julie Gavras com seu belís­si­mo A cul­pa é do Fidel, ele usa como des­cul­pa a crise do Chile para retratar de per­to os per­son­agens prin­ci­pais desse momen­to, a própria pop­u­lação. Usan­do cri­anças, traz a inocên­cia do momen­to, a com­preen­são ame­na e ao mes­mo tem­po pro­fun­da, dess­es pequenos coad­ju­vantes. Afi­nal, as cri­anças não têm par­tido políti­co e posições sobre a econo­mia, mas sen­tem e vêem as injustiças. E Machu­ca não é ape­nas um filme sobre um meni­no, é sobre um momen­to, é sobre um sem número de Pedros lati­no-amer­i­canos que enten­der­am das for­mas mais ten­sas o sig­nifi­ca­do das palavras ¨justiça¨ e ¨liber­dade¨.

Reflexões adi­cionais:
Muito se tem dis­cu­ti­do sobre o ter­mo Cin­e­ma Políti­co, ele ain­da é muito asso­ci­a­do ao cin­e­ma de pro­pa­gan­da feito na Rús­sia nas primeiras décadas do sécu­lo XX, ou ain­da às ofen­si­vas pro­duções na Ale­man­ha nazista. Por tam­bém ser um meio midiáti­co, o cin­e­ma foi usa­do muitas vezes para fins de dom­i­nação de mas­sa, ou seja, politiqueiros.

O ter­mo Cin­e­ma Políti­co é perigoso porque envolve, prin­ci­pal­mente, idéias de ide­olo­gia. Mas acred­i­to sim num cin­e­ma políti­co enga­ja­do em mostrar faces de momen­tos ten­sos, atu­ais ou não, das políti­cas das sociedades vigentes em cada país e das ide­olo­gias pre­sentes. E a isso tudo, trazen­do a ficção. O cin­e­ma sem­pre esteve pre­sente ness­es momen­tos ten­sos, mes­mo que sub­je­ti­va­mente. No Brasil, durante a ditadu­ra, tive­mos o Cin­e­ma Mar­gin­al de Glauber Rocha, Rogério Sganz­er­la, entre out­ros que troux­er­am ques­tion­a­men­tos per­ti­nentes sobre a situ­ação de repressão e prin­ci­pal­mente pelo rompi­men­to da estéti­ca que vigorava.

Out­ra críti­cas interessantes:

Trail­er:

httpv://www.youtube.com/watch?v=qr2G7TiaWLw


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