Crítica: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo

Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo

Um road movie pelo sertão ou uma poe­sia sobre a fuga. Via­jo por que pre­ciso, volto por que te amo (Brasil, 2009) de Karim Ain­ouz e Marce­lo Gomes, vai além da geografia dos espaços e do val­or de uma sim­ples frase de efeito surgi­da numa parede. Por ser poéti­co e fic­cional, sem deixar de doc­u­men­tar o real, pode-se diz­er que ain­da não se encaixa em um padrão do cin­e­ma brasileiro.

Obri­ga­do a estar no ban­co do pas­sageiro, a primeira cena de Via­jo por que pre­ciso, volto por que te amo não esconde ao espec­ta­dor que embar­cará como carona ao lado do geól­o­go José Rena­to (Irand­hir San­tos). Ele tem 35 anos e é envi­a­do ao sertão nordes­ti­no a fim de pesquis­ar as condições para um pos­sív­el canal que será feito com o desvio de águas de um úni­co rio cau­daloso da região. Não vê-se o pro­tag­o­nista em momen­to algum, ele é ape­nas uma voz em off que ori­en­ta as cenas de um sertão que por horas é o mes­mo ári­do de sem­pre e por out­ros momen­tos é um descon­heci­do, um grande vazio com luzes noturnas.

José Rena­to é um apaixon­a­do e ao mes­mo tem­po foge da decepção dessa paixão. Fazen­do refer­ên­cias inter­es­santes de momen­tos vivi­dos e pequenos detal­h­es entre ele e sua mul­her, o nar­rador con­strói o cenário que assis­ti­mos alian­do seus pen­sa­men­tos dia após dia que se afas­ta (ou se aprox­i­ma) de sua casa. Faze­mos parte desse diário de viagem.

Durante a odis­séia encon­tra-se os mais estran­hos e incríveis per­son­agens que vão moldan­do os sen­ti­men­tos do nar­rador ao lon­go do cam­in­ho. Dess­es per­son­agens são as pros­ti­tu­tas que têm o dev­er de preencher o vazio de José Rena­to, não somente com o sexo, mas com suas histórias e tra­jetórias. Destaque para Pati que ao ser ques­tion­a­da sobre o que esper­a­va da vida, ela ape­nas resume quer­er ¨Uma vida-laz­er com sua fil­ha e um companheiro¨.

Tratar o sertão nordes­ti­no sem mitolo­gias é um das car­ac­terís­ti­cas mais inter­es­santes dos dois dire­tores. Con­struíram, com as exper­iên­cias ante­ri­ores como em Cin­e­ma, Aspiri­nas e Urubus e O Céu de Sue­ly, um novo con­ceito sobre a região. Afi­nal, os ser­tane­jos tam­bém são afe­ta­dos pela mídia e pelas deses­per­anças do urbano, e fugir do imag­inário pop­u­lar sobre a região não é tare­fa fácil. Em entre­vista com o dire­tor Jean-Claude Bernardet, Karim Ain­ouz e Marce­lo Gomes, ambos nordes­ti­nos, falam sobre a neces­si­dade que sen­ti­am em expe­ri­en­ciar, viven­ciar de fato, tudo que ouvi­am e suposta­mente sabi­am da região. Um tra­bal­ho, aci­ma de tudo, sensorial.

Via­jo por que pre­ciso, volto por que te amo foi grava­do num perío­do de aprox­i­mada­mente 10 anos, partin­do de um pro­je­to que ini­cial­mente seria sobre as feiras do inte­ri­or nordes­ti­no. Karim Ain­ouz e Marce­lo Gomes relatam que tin­ham uma lig­ação meio mís­ti­ca com as fil­ma­gens, mas até 2009 não tin­ham mui­ta certeza do que faz­er, até decidi­rem que seria um tra­bal­ho que envolve­ria as gravações do sertão mescladas a história de um per­son­agem, o José Rena­to, muito bem tra­bal­ha­do na voz de Irand­hir Santos.

A fotografia do filme chama bas­tante a atenção por mesclar ima­gens de slides, de uma câmera super‑8, duas câmeras 16mm (Bolex), uma câmera tcheca (Minock­n­er) e uma mini-DV VX1000 (Sony). Essa mis­tu­ra resul­ta numa boni­ta colagem e visões sen­so­ri­ais inten­sas a quem assiste. Via­jo por que pre­ciso, volto por que te amo é sim­ples de con­cepções téc­ni­cas, porém se mostra car­rega­do de uma nar­ra­ti­va inten­sa. Um filme para ser lido, ou uma leitu­ra para ser vista.

A sen­sação no fim do lon­ga, é a da neces­si­dade de mudança. Zé Rena­to encara a viagem como uma trans­mu­tação do seu sen­ti­men­to de per­da e vazio. Ao viven­ciar os 75 min­u­tos dessa tra­jetória, fica a von­tade de ir para qual­quer lugar, uma neces­si­dade de fuga que deixa o espec­ta­dor bus­can­do algo. Uma sen­sação de quer­er uma ¨vida-laz­er¨ e de aban­dono quan­do Zé Rena­to ces­sa a sua fala, afi­nal não ven­do o per­son­agem o espec­ta­dor se con­funde com as coisas ditas e vis­tas por ele. Impos­sív­el não sair do cin­e­ma não car­regan­do um pouco do geól­o­go den­tro de si. E mes­mo que pie­gas, o espec­ta­dor ao fim sabe que todos já via­jaram porque pre­cisavam e voltaram porque amavam algo ou alguém.

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Trail­er:

httpv://www.youtube.com/watch?v=wn4ZBttHVaU


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Dossiê Daniel Piza
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