Pietá (2012), de Kim Ki-Duk | Cinema Alternativo

O que é Dinheiro?
Dinheiro?
O começo e o fim das coisas.…
Amor, hon­ra, vio­lên­cia, fúria…ódio, inveja…morte.

Din­heiro é provavel­mente a figu­ra mais pre­sente em Pietá (Pieta, Coréia do Sul, 2012) o aguarda­do e pre­mi­a­do lon­ga do dire­tor core­ano Kim Ki-Duk. Con­heci­do por tratar a natureza humana e os cam­in­hos que o próprio ser humano per­corre para se per­pet­u­ar como tal, com uma bru­tal­i­dade que beira ao sen­sív­el, o dire­tor retor­na a um esti­lo que foi mar­ca nos seus primeiros filmes, a vin­gança como meio de redenção.

Pietá, a escul­tura do sécu­lo XV de Michelân­ge­lo é a refer­ên­cia óbvia e expres­sa no car­taz ofi­cial da “Piedade”, recri­a­da pelo dire­tor Kim Ki-Duk. Assim como a virgem Maria, ide­al­iza­da jovem pelo artista ital­iano, segu­ran­do o Cristo com o seu olhar sofri­do e melancóli­co, a mãe sul-core­ana segu­ra o fil­ho tam­bém mor­to, uma releitu­ra ain­da mais real do clás­si­co. Mas o que está por trás dessa dor da mãe que perdeu seu fil­ho? Ousan­do mostrar até onde uma mãe iria, ele rene­ga que uma mul­her nes­sa posição sim­ples­mente dê “a out­ra face” para alguém que ten­ha prej­u­di­ca­do um fil­ho seu.

A Pietá de Michelangelo

O enre­do do lon­ga traz Kang-do, um jovem cobrador de dívi­das, con­trata­do por agio­tas para lit­eral­mente colo­car o ter­ror nos deve­dores. Ele é per­feito para a profis­são, sem nen­hu­ma espé­cie de laço famil­iar ou de rela­ciona­men­to, não demon­stra sen­ti­men­tos e vive sem lim­ites até que começa a ser persegui­do por uma sen­ho­ra que diz ser a sua mãe que o aban­do­nou há 30 anos. A princí­pio o jovem não sabe lidar com a pre­sença e a insistên­cia da mul­her na sua vida, exper­i­men­tan­do sen­ti­men­tos fortes que vão des­de o ódio pro­fun­do e repul­sa até a descober­ta de amor reprimido.

Pietá se con­strói sobre essas novas exper­iên­cias do jovem Kang-do que já não sabe como agir diante da sua própria cru­el­dade. Reprim­i­do durante toda a sua vida e cri­a­do em um mun­do cru­el, que não tem nada para ofer­e­cer além das leis de sobre­vivên­cia baseadas no din­heiro, a relação instân­tanea entre mãe e fil­ho — e a neces­si­dade que o jovem tem dela — se dá de for­ma prati­ca­mente edip­i­ana. O lon­ga se encam­in­ha para uma espi­ral de impul­sos e relações de ação e reação, onde perdão não é de fato um sen­ti­men­to sim­ples de se obter, seja nas relações pes­soais ou nas envol­ven­do dinheiro.

Quan­do ques­tion­a­do sobre o que se trata­va de fato Pietá após polêmi­cas depois da sessão de exibição do filme no Fes­ti­val de Veneza de 2012 — onde acabou levan­do o Leão de Ouro — Kim Ki-duk disse que seu filme é sobre o cap­i­tal­is­mo e a for­ma que ele afe­ta as vidas das pes­soas. Mostran­do uma Coréia do Sul urbana, mas extrema­mente dete­ri­o­ra­da com comér­cio infor­mal e amon­toa­d­os de mora­dias, o filme vai além do que sim­ples­mente tratar de uma sociedade de con­sumo desen­f­rea­do e tipi­ca­mente car­i­ca­ta na ficção. O lon­ga é tam­bém um retra­to de um país emer­gente, com seus fan­toches do cap­i­tal­is­mo, humanos e suas relações com esse din­heiro, que pode dar tudo que eles neces­sitem, despre­ocu­pa­dos com o preço a pagar para obtê-lo.

Exis­tem dois lados do sul-core­ano que ao mes­mo tem­po que dialogam entre si, tam­bém são bas­tante dis­tin­tos. Ini­cial­mente, na déca­da de 90, Kim Ki-Duk ficou con­heci­do pelos filmes vio­len­tos que abor­davam a vin­gança — que aliás os ori­en­tais são óti­mos na ficção do gênero — partin­do para um esti­lo mais intimista, tratan­do ain­da da natureza humana, mas tra­bal­han­do de for­ma mais min­i­mal­ista. Ficou mais con­heci­do no oci­dente com o seu Pri­mav­era, Verão, Out­ono, Inverno…e Pri­mav­era (2003), Casa Vazia (2004) e O Arco (2005).

É de uma beleza para­dox­al a for­ma com que Kim Ki-Duk con­segue tratar a natureza humana de for­ma ínti­ma e poéti­ca. Cru­el, como em boa parte de seus lon­gas, ele não colo­ca lim­ites na com­plexa con­strução de seus per­son­agens ao pas­so que fil­ma de modo sim­ples, deixan­do a câmera muitas vezes vac­ilar, tremen­do ou até mostran­do um zoom automáti­co que vem e vol­ta. Ape­sar de ser uma ficção, faz lem­brança ao espec­ta­dor que está mer­gul­ha­do no real­is­mo ínti­mo daque­las pes­soas em um cenário que se aprox­i­ma muito do real, sendo quase pos­sív­el sen­tir a dor delas.

Não há como sair impune de um lon­ga de Kim ki-duk e Pietá não foge da regra de uma obra aparente­mente cru­el e fria, con­struí­da sobre a base das relações humanas nada sim­plórias, mas que vis­tas pelo olhar do espec­ta­dor, gan­ham con­tornos de fábula.

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